A terapia ABA, como é conhecida popularmente, é na verdade um ramo aplicado da ciência da análise do comportamento, que pode ser utilizada em muitos segmentos da sociedade, como empresas, instituições de educação e em terapias. A partir da década de 1980, começaram a surgir estudos mostrando como esse tipo de análise poderia auxiliar no tratamento de pessoas com transtorno do aspectro autista (TEA), algo que se popularizou muito nos Estados Unidos e no Reino Unido.
O que é ABA?
A rigor não existe uma terapia ou intervenção ABA. Isso pode ser esclarecido da seguinte maneira: existe uma disciplina científica chamada análise do comportamento (geralmente ensinada na graduação em psicologia, e na pós-graduação a diversos profissionais). Ela tem um ramo de ciência básica (conhecido como análise experimental do comportamento, do inglês experimental analysis of behavior) e um ramo de ciência aplicada (conhecido como análise do comportamento aplicada, do inglês applied behavior analysis, de onde vem a sigla ABA).
ABA é, então, o ramo aplicado da análise do comportamento, que é uma ciência. A ABA tem produzido conhecimento útil para desenvolver formas de prestação de serviços que visam resolver problemas socialmente relevantes, por exemplo na gestão de pessoas nas empresas ou instituições públicas, no planejamento de ensino em qualquer nível, nas terapias incluindo aí a intervenção aos transtornos do espectro do autismo (TEA).
Como é a intervenção?
A intervenção, de forma geral, se caracteriza por uma avaliação inicial minuciosa do comportamento da pessoa, que leva à identificação dos comportamentos que estão em déficit (em geral relacionados à interação social e à linguagem) e em excesso (comportamento estereotipado, interesse exageradamente restrito a certos temas ou objetos, apego excessivo a rotinas, comportamento autolesivo e agressivo).
Um plano de intervenção individual é elaborado com base nessa avaliação, onde se ensina o que está em déficit e se trabalha para reduzir o que está em excesso. Esse plano é reavaliado periodicamente. A intervenção é mais eficaz se for precoce, intensiva, duradoura e abrangente (incluindo a família, escola etc). O principal processo psicológico subjacente é a aprendizagem.
Quais são os resultados obtidos com a análise do comportamento aplicada em pacientes com TEA?
Uma pesquisa que demonstrou de forma pioneira a efetividade de formas de intervenção aos TEA baseadas e ABA foi realizada por Lovaas em 1987 nos Estados Unidos. Desde então, isso vem sendo confirmado por outros estudos.
Os estudos têm mostrado que cerca de 80% dos casos de TEA submetidos a intervenções baseadas em ABA mostram boa ou excelente evolução. Isso quer dizer que essas pessoas suprem significativamente seus déficits e reduzem comportamento-problema a ponto de funcionarem nos diferentes âmbitos sociais com pouca ou (ou até nenhuma) ajuda.
Infelizmente, há casos onde o comprometimento é muito severo e o progresso é pequeno. Nesses casos, a pessoa pode não desenvolver plenamente a linguagem, seja falada ou por forma alternativa, e precisar de assistência por tempo indeterminado.
É indicada para todas as idades?
Sim, é indicada para todas as idades. Mais ainda, é indicada para contribuir com a solução de qualquer problema que permeie o comportamento: adesão a tratamento médico, obesidade, gestão de pessoas, intervenção ao desenvolvimento atrasado, terapia individual de adultos ou crianças sem diagnóstico, programação do ensino especial ou regular, desempenho de alto rendimento no esporte, comportamento do consumidor, para citar apenas alguns exemplos. As possibilidades de aplicação são ilimitadas.
Que profissionais podem atuar com ABA?
A análise do comportamento é ensinada muito frequentemente na graduação em psicologia. Ainda não existe a profissão de analista do comportamento. As primeiras iniciativas de se criarem graduações em análise do comportamento estão começando. Além dos psicólogos, qualquer outro profissional pode se pós-graduar em análise do comportamento: fonoaudiólogos, pedagogos, terapeutas ocupacionais etc. Assim, é possível que um fonoaudiólogo possa se sentir mais preparado para exercer a fonoaudiologia com pessoas com TEA se aprender ABA, por exemplo.
Há um exame de certificação internacional que atesta que um profissional (psicólogo ou não) tem o conhecimento necessário para atuar como analista do comportamento. O comitê certificador é o BACB (Behavior Analyst Certification Board – Comitê Certificador de Analista do Comportamento) originário dos Estados Unidos, mas acessível a profissionais em diversos países, inclusive no Brasil. Aqui no Brasil, não se exige a certificação internacional para se atuar como analista do comportamento.
A Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental tem um protocolo de acreditação de analistas do comportamento, mas essa acreditação também não é uma condição para a atuação. Esse é um problema que deverá ser enfrentado em breve, para que as pessoas em geral possam ter alguma segurança de que, ao contratar um serviço de análise do comportamento, estejam recebendo um serviço baseado nas melhores práticas dessa ciência.
No Brasil, a ABA já está bastante difundida?
Sim. Pela sua efetividade com relação aos TEA, ABA é mais conhecida (até erroneamente) no Brasil e no mundo como uma forma de enfrentamento ao autismo, mas ela já era muito aplicada por exemplo na “psico”- terapia (terapia comportamental). ABA é uma ciência que pode ser aplicada a muito mais do que os casos de TEA.
Qual o cenário do uso de ABA na rede pública de saúde no País?
Devido à forte demanda da iniciativa privada por analistas do comportamento para atender crianças diagnosticadas com TEA, ex-alunos raramente são absorvidos pelas instituições públicas. Quando são, eles não encontram um serviço estruturado de forma a prover a intensidade e a duração da intervenção. Até onde se tem conhecimento, a única experiência de serviço público especializado de intervenção aos TEA conforme prescrito pela ABA é provida pelo estado do Maranhão. Esse tipo de experiência deve ser multiplicado. Paradoxalmente, esse tipo de assistência já é oferecido há muito mais tempo, fora da rede pública de assistência, por ONGs, como a AMA em São Paulo, graças à organização de grupos de pais. As APAES e outras ONGs também têm esforços nesse sentido, nem sempre em conformidade com as orientações da análise do comportamento.
Por Romariz Barros, Dr. O psicólogo Romariz Barros explica, em entrevista concedida a Hyndara Freitas do Jornal Estado de São Paulo (disponível em 23/09/2018), o que é essa ciência, como ela é aplicada e quais são os resultados dela em pacientes com TEA. Barros é psicólogo, mestre em teoria e pesquisa do comportamento pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e doutor em psicologia pela USP e analista do comportamento acreditado pela Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC). Atualmente, leciona no Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento da UFPA.